Garimpo ameaça saúde de crianças Yanomami com contaminação por mercúrio, desnutrição e malária, aponta Unicef
15/10/2025
(Foto: Reprodução) Lideranças denunciam garimpos ativos e falhas graves na saúde Yanomami
Um estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgado nessa quarta-feira (15) mostra que o garimpo ilegal crescente até 2023 dentro da Terra Indígena Yanomami está diretamente ligado ao agravamento da crise de saúde e de proteção entre crianças e jovens do povo.
A mineração clandestina destrói rios e florestas, contamina peixes com mercúrio, atrai doenças como malária e provoca escassez de alimentos — fatores que intensificam a desnutrição infantil, mortalidade evitável e violação de direitos. O relatório apresenta dados coletados até 2023.
📍️ A Terra Yanomami é o maior território indígena do Brasil com quase 10 milhões de hectares entre os estados do Amazonas e Roraima. Garimpeiros atuam na região desde, ao menos, a década de 1970.
❓ Em 2023 o governo federal decretou emergência no território para combater uma crise sanitária sem precedente. Quase três anos após o decreto de emergência na Terra Yanomami, lideranças indígenas denunciam que o garimpo ilegal segue ativo, destruindo roças, contaminando rios com mercúrio e, consequentemente, provocando desnutrição e impactos na rotina dos indígenas.
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Segundo o estudo, mais da metade das crianças Yanomami (56%) com até 5 anos apresentavam baixo peso ou desnutrição crônica, conforme dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) de 2022. A situação é mais grave nas regiões com presença de garimpeiros, onde o desmatamento e a poluição dos rios dificultam o cultivo e a pesca, principais fontes de alimentação das famílias.
O relatório aponta que a contaminação por mercúrio usada na extração de ouro afeta igarapés e peixes consumidos pelas comunidades, podendo causar problemas neurológicos, má formação fetal e danos permanentes no desenvolvimento infantil.
Além disso, a presença de garimpeiros está associada a um aumento considerável de casos de malária: entre 2018 e 2021, foram mais de 40 mil infecções na TI Yanomami, muitas delas em crianças pequenas. Poças d’água e buracos de escavação se tornam criadouros do mosquito transmissor, explica o Unicef.
O estudo destaca ainda que o garimpo ilegal atua em conjunto com a desestruturação do sistema de saúde Yanomami, agravando a crise sanitária. Postos de saúde foram fechados, destruídos ou tomados por invasores, dificultando a chegada de vacinas, medicamentos e alimentos. Entre 2018 e 2022, centenas de crianças morreram de causas evitáveis, como pneumonia, diarreia e desnutrição.
“O garimpo desestrutura a vida das comunidades. Ele contamina os rios, espalha doenças e impede o acesso à saúde e à alimentação. O resultado é a violação sistemática dos direitos da infância Yanomami”, afirma o estudo.
Com apoio da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e da Urihi Associação Yanomami, o estudo foi realizado pelos antropólogos Ana Maria Machado e Marcelo Moura. A publicação é uma iniciativa da área de Mudança Social e de Comportamento (SBC) e da Coordenadoria para Assuntos Indígenas do UNICEF Brasil, com financiamento da União Europeia, por meio do Departamento de Proteção Civil e Ajuda Humanitária (ECHO).
Em nota, a Casa Civil informou que o governo federal fortaleceu, desde 2023, a presença na Terra Indígena Yanomami destinando ações estratégicas de combate ao garimpo ilegal, vigilância e assistência em saúde, segurança alimentar, recuperação ambiental e de promoção de cidadania, direitos humanos e desenvolvimento social (leia a nota na íntegra abaixo).
Além disso, disse que políticas públicas específicas e diferenciadas para os povos Yanomami às que se refere o estudo "já foram executadas ou estão em fase de implantação, inclusive com a criação de estruturas permanentes".
Por meio de nota, o Ministério da Saúde afirmou que desde o decreto de emergência mais de R$ 596 milhões foram investidos na recuperação e melhoria da infraestrutura dos estabelecimentos de saúde indígena no território, incluindo a reabertura de Polos Base (leia a nota completa abaixo).
"Em maio de 2025, a pasta lançou o primeiro Manual Técnico de Atendimento a Indígenas Expostos ao Mercúrio, que consolidou diretrizes clínicas e operacionais inéditas para orientar profissionais de saúde quanto à identificação de casos, atendimento, notificação e encaminhamento aos serviços de referência. O documento traz recomendações específicas para populações vulneráveis, como gestantes e crianças. Paralelamente, estão em andamento testagens periódicas em gestantes e crianças, além de campanhas educativas adaptadas às tradições culturais Yanomami", disse.
O g1 também procurou a Casa de Governo, órgão especializado no combate à crise Yanomami, e aguarda resposta.
Abusos e violências contra jovens e crianças
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Reprodução/Condisi-YY
Além da saúde, o relatório aponta impactos sociais graves. O avanço da mineração ilegal provoca aumento do consumo de álcool, distribuição de armas e conflitos internos, deixando crianças e jovens em situação de vulnerabilidade extrema. Há registros de exploração sexual e aliciamento de adolescentes, especialmente meninas, nas áreas dominadas por garimpeiros.
Organizações como o Ministério Público Federal, o Conselho Distrital de Saúde Yanomami (Condisi), a Hutukara Associação Yanomami e a Wanasseduume Associação Ye’kwana reforçam que o avanço do garimpo é um dos principais fatores que agravam a desnutrição e a desestruturação social, econômica e sanitária das comunidades.
Segundo eles, o problema não é a completa falta de alimentos, mas sim a interrupção do acesso e da produção local causada pelo garimpo.
Recomendações do estudo
Além de apontar as problemáticas levadas pelo garimpo, o estudo também apresenta recomendações, incluindo:
Fortalecer políticas públicas específicas e diferenciadas para os povos Yanomami.
Combater o garimpo ilegal e garantir a proteção territorial como condição básica para a sobrevivência e preservação cultural.
Reconhecer e apoiar organizações indígenas, garantindo diálogo com associações que elaboraram o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA).
Escutar crianças e jovens, oferecendo acesso a novos conhecimentos e tecnologias como ferramentas para defesa de seus direitos e dignidade.
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Infográfico - Garimpo ilegal ativo na Terra Yanomami
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Apesar das operações do governo federal, que apontam redução de áreas de garimpo e aumento de profissionais de saúde, as comunidades continuam enfrentando precariedade no atendimento, falta de medicamentos, estrutura insuficiente e dificuldade de acesso a hospitais, com relatos de mortes evitáveis e crianças em situação crítica de desnutrição.
As lideranças reivindicam ações permanentes, fiscalização de financiadores e integração da medicina tradicional com o sistema público de saúde.
O dossiê entregue à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) aponta falhas graves na resposta à contaminação por mercúrio, com poucas triagens e tratamento limitado aos indígenas, além de alerta sobre a presença constante de pistas clandestinas e aviões que abastecem os invasores.
Especialistas destacam que o garimpo ilegal é sustentado por uma rede econômica complexa, que vai muito além dos trabalhadores na ponta, e que a dificuldade maior não é retirar os invasores, mas impedir seu retorno.
A situação da Terra Yanomami reflete problemas históricos e estruturais mais amplos: desde a década de 1970, o garimpo se consolidou como uma atividade econômica e cultural na região, gerando violência, destruição ambiental e dependência das comunidades em relação aos invasores.
Menina Yanomami com desnutrição grave recebe tratamento no Hospital da Criança, em Boa Vista
Caíque Rodrigues/g1 RR
Nota do governo
Desde 2023, o Governo Federal fortaleceu a presença na Terra Indígena Yanomami, em todo o território, destinando ações estratégicas de: combate ao garimpo ilegal; vigilância e assistência em saúde; segurança alimentar; recuperação ambiental; e de promoção de cidadania, direitos humanos e desenvolvimento social.
Políticas públicas específicas e diferenciadas para os povos Yanomami às que se refere o estudo já foram executadas ou estão em fase de implantação, inclusive com a criação de estruturas permanentes.
As ações de desintrusão, repressão de atividades ilegais e proteção territorial apresentam resultados efetivos no enfrentamento às organizações criminosas, notadamente a mineração ilegal: 7.559 operações de fiscalização, comando e controle realizadas; 680 acampamentos inutilizados, 33 aeronaves e 215 embarcações destruídas, 125 armas apreendidas, além da inutilização de mais de 130 mil litros de combustíveis, dentre vários outros dados.
Até o último dia 11 de outubro, as operações resultaram em prejuízo de R$ 508 milhões às atividades criminosas, demonstrando o sucesso das estratégias de desarticulação e descapitalização de organizações criminosas por via terrestre, aérea e fluvial. A presença do Estado, portanto, é constante e conta com a participação de mais de 20 órgãos federais, sob coordenação da Casa de Governo.
Além do Centro de Referência em Saúde Indígena Yanomami, na região de Surucucu - que já está em funcionamento, beneficiando cerca de 10 mil indígenas de 60 comunidades -, outras estruturas permanentes do Governo Federal em Roraima estão em fase de conclusão — como o Centro de Atendimento Integrado da Criança Yanomami e Ye’kwana, a Base de Proteção de Pakilapi-Palimiú e o Centro de Referência em Direitos Humanos de Boa Vista.
Nota do Ministério da Saúde
Em 2023, o Ministério da Saúde decretou Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) na Terra indígena Yanomami após encontrar o Distrito Sanitário Especial indígena Yanomami em estado de abandono e precarização das suas estruturas e diversas falhas no atendimento de saúde.
De 2022 a 2025, o número de profissionais de saúde no território cresceu de aproximadamente 600 para 1.855 em 2025. Como resultado, houve redução de 33% nos óbitos no primeiro semestre de 2025 em comparação ao mesmo período de 2024, com queda de 45% de óbitos por doenças respiratórias, de 65% por malária e de 74% por desnutrição.
Entre 2023 e 2025, também houve ampliação dos testes diagnósticos para malária em 65,9%. Um aumento de 76,9% do número de exames realizados por detecção ativa, quando as equipes de saúde passaram a realizar busca ativa diretamente nas aldeias, com o indígena apresentando sintomas ou não. A coleta do exame é realizada diretamente na comunidade e em massa.
Em 2023, 21,6% das crianças Yanomami estavam com muito baixo peso. Em 2025, esse percentual caiu para 18%. Dentre as estratégias para combates da desnutrição no território, o Ministério da Saúde administra em crianças até 6 anos o NutriSUS, um suplemento de micronutrientes em pó, como ferro, vitaminas e minerais.
Desde 2023, mais de R$ 596 milhões foram investidos na recuperação e melhoria da infraestrutura dos estabelecimentos de saúde indígena no território. Os sete Polos Base que estavam fechados ou destruídos por conta da insegurança foram reabertos, beneficiando diretamente 5.224 indígenas. Hoje, os 37 polos do TI, juntamente com as 40 Unidades Básicas de Saúde Indígena (UBSI) estão em pleno funcionamento, agora equipadas com pontos de internet para viabilizar telessaúde e solicitação de serviços de urgência e emergência.
No começo de setembro de 2025, começou a funcionar o primeiro Centro de Referência em Saúde Indígena do Brasil, localizado em Surucucu (RR). Casos agudos e graves já podem ser atendidos com urgência no próprio território, beneficiando cerca de 10 mil indígenas de 60 comunidades.
Em maio de 2025, a pasta lançou o primeiro Manual Técnico de Atendimento a Indígenas Expostos ao Mercúrio, que consolidou diretrizes clínicas e operacionais inéditas para orientar profissionais de saúde quanto à identificação de casos, atendimento, notificação e encaminhamento aos serviços de referência. O documento traz recomendações específicas para populações vulneráveis, como gestantes e crianças. Paralelamente, estão em andamento testagens periódicas em gestantes e crianças, além de campanhas educativas adaptadas às tradições culturais Yanomami.
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